Por Marcos Vinicius Cabral
"Há um ano que não escuto o portão da garagem se abrir e não vejo mais meu pai chegando tarde da noite trajando aquela camisa vermelha da cooperativa, vestindo calça preta e guardando o carro na garagem depois de mais um dia de trabalho.
O carro, estacionado há um ano no mesmo lugar, parece que continua aqui esperando por ele. Às vezes, meus rompantes saudosistas me fazem acreditar que ele vai chegar!
Há um ano que ele não chega. E quando volto à realidade, sei que não vai mais chegar. Nunca mais!
Mas essa quarta-feira, dia 18 de janeiro, se torna um dia doloroso e inesquecível. Foi neste dia, que meu pai deu entrada no Pronto Socorro Central, no Zé Garoto, com fortes dores no peito e não mais voltou.
Foi neste dia que uma sucessão de erros cometidos pelos funcionários do PSC, nos tirou a possibilidade de cuidar da saúde do meu pai.
Mas hoje é dia também, acredite você que está lendo tamanha verborragia, de lembrar de coisas boas.
Lembrar, por exemplo, quando era taxista, em 2008, recém-saído do jornal O São Gonçalo, na primeira vez que peguei uma corrida para a Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, me perdi na volta e ele, desesperado, me mandava recados pelo rádio PX da Central de Táxi e como não respondia e com o celular desligado, foi atrás de mim.
Coisas de pai. De quem protege.
É lógico que essa história teve final feliz, mas a bronca nunca mais esqueci: "Sua filha tem um ano, mas quando ela crescer, você vai entender o significado da palavra pai e o porquê fiz isso", foi o que me disse no dia seguinte enquanto conversávamos no ponto de táxi.
Meu pai era assim. Pedra bruta e valiosa. Grosso comigo, mas no fundo me amava à maneira dele.
Entretanto, ainda resiste ao tempo alguns ensinamentos dele, tais como: respeitar os mais velhos, falar sempre a verdade, ser honesto, pontual e fazer o melhor em tudo que eu fosse fazer na vida.
Portanto, hoje, um ano da morte dele, esses ensinamentos compõem o que chamo de "um senhor legado" que faço questão de expressar para que todos saibam que foi o que de mais valioso ele, meu pai, meu amigo e herói, deixou.
Mas meu pai fora querido por muitos e inimigo de poucos, Alicate, como era conhecido no meio dos taxistas, era um sacana de marca maior.
Meu pai era tão parceiro de quem ele gostava que se dava ao luxo de cozinhar e convidar colegas taxistas para almoçarem com ele no sábado ou em um dia qualquer da semana.
"Alicate, você está de parabéns. Que comida gostosa. Não sabia que você cozinhava tão bem assim", era o que ele mais ouvia.
E sei que aquelas palavras, alegravam o coração dele. Ele gostava de elogios. Fazia tudo em excelência para recebê-los. E recebia. Muitos, por sinal.
Mal sabiam eles, que teve uma época que ele era taxista em Niterói e muitas das vezes, acordava às 4 horas para cozinhar e levava quentinhas em isopor para vender para o pessoal na fila de táxi, comerciantes e lojista na Rua da Conceição, no Centro.
Meu pai sempre foi guerreiro. Sempre fez do limão, uma limonada.
Se como taxista e empreendedor foi um sucesso, nos campos de futebol foi um fracasso.
Quando brigava para ser o dono da camisa 1 da extinta Fábrica Fluminense de Tecidos, no Barreto, em Niterói, era um goleiro metido a besta.
Certa vez, no comecinho dos anos 1980, em uma excursão contra um combinado de jogadores amadores de Nova Friburgo - nossa terra Natal - que serviu de preparação para o Campeonato do Sesi, Valdecir, goleiro titular, se machucou e nos minutos finais entrou meu pai no lugar dele.
Na primeira falta a favor do adversário, no meio de campo, corajoso e confiante nas suas qualidades embaixo dos paus, não quis barreira.
O cobrador mandou um 'pombo sem asa' à lá Roberto Carlos que passou igual a um foguete por debaixo das pernas dele.
Que frango! Resultado: 1 a 0 para os donos da casa e o pessoal do time quase bateu nele e eu, com oito anos, senti vergonha em dizer que o meu pai era o goleiro.
Coisas de criança, vai entender.
Mas meu saudoso pai era uma figura e tinha um senso de humor que alegrava qualquer um.
Até Junior, craque do Flamengo e Seleção Brasileira, se amarrou nele, quando estivemos comemorando o aniversário do irmão do Maestro em Copacabana.
Na ocasião, festa restrita a convidados escolhidos a dedo, meu pai colou com um dos irmãos do atual comentarista esportivo da TV Globo e ficou bêbado de tanto uísque.
Na volta para casa, dirigi e ele veio dormindo de Copacabana até São Gonçalo.
Mas meu pai soube viver. Até hoje sinto saudades das broncas que me dava. Sinto saudades do cheiro, da voz e do sorriso dele.
Também sinto saudades das broncas nas netas e do ciúme exacerbado que tinha das ferramentas que até hoje permanecem guardadas no armário construído por ele.
Entretanto, gostava de implicar e tirava sarro com ele. Quando estava de bigode, falava para ele que gostava de vê-lo de barba. De barba, dizia que preferia o bigode ou cavanhaque. E assim foi, até ele ficar com o rosto nu, sem barba e bigode por um bom tempo.
Meu pai era assim. Não havia nele super poderes.
Não era ágil como o Homem-Aranha, mas escalava paredes pelos filhos.
Não era Superman, mas sempre foi para nós, um pai de aço.
Não era o Batman, mas foi um notívago para levar o sustento para casa em épocas de vacas magras.
Ah, meu pai. Queria que estivesse aqui. Sei que ficaria feliz e guardaria todas as matérias que fiz no A Tribuna, principalmente as do Pelé e Roberto Dinamite, o seu ídolo.
Meu pai, sei que não fui um filho tão amado como foram minhas irmãs. Eu sei disso. Mas quero que saibas, que te amei até o último dia de vida".
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