sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Barco vazio

Texto e foto de Marcos Vinicius Cabral

"Há quase 730 dias que estou recluso, deitado no fundo de um barco vazio e, introspectivo, no meio de um mar chamado frustração. De olhos fechados não observo nada ao redor e nem me vejo. Apesar das ondas molharem as pontas dos meus dedos das mãos a fim de provocar em mim a desatenção que o destino quer, permaneço intocável e insensível. E continuo de olhos fechados! Mas perco a beleza da vida quando não vejo o céu azul com as nuvens parecidas com algodão, não sinto o calor do sol que esquenta meu corpo, e não ouço o ruído das asas das gaivotas que ensaiam o balé contumaz que nada mais é, para quem aprecia com moderação as belezas da vida, do que a personificação de um voo para um lugar distante.

A cena, por mais absurda que pareça, me faz conviver com o som imperturbável do silêncio. E é em cada um destes sons, que sinto a presença e a ausência que meu pai faz.

Meu pai nunca gostou do nome de batismo e sempre que perguntavam "como o senhor se chama?", ele desconversava e respondia "José". Na verdade, era o sobrenome dele. Mas o ele gostava de verdade era em ser chamado pelo apelido de Alicate que, segundo ele mesmo, foi herança dos tempos de quartel quando vivia indo buscar alicate na oficina a pedido dos sargentos, tenentes e coronéis. Daí, de tanto pegar alicate para os superiores, transformou-se em um e carregou a alcunha até a nefasta tarde do dia 18 de janeiro de 2022, último dia de vida dele.

Mas a ausência de Alicate na minha vida me recoloca, sempre que lembro dele e dos entreveros que tivemos na difícil e conturbada relação pai e filho, no fundo daquele barco. É lá, que vira e mexe, estou com os olhos fechados, alisando a 'testa' do mar e lembrando dos momentos que passei ao lado dele.

Alicate viveu a vida com a tranquilidade de quem dirigiu por muito tempo um táxi. Acreditava em Deus e não deixava o medo de morrer ser maior do que as risadas que deu com muitos outros taxistas nos PA's por onde deixou saudades. Era alternância nas pequenas coisas. Vivia o opróbrio com pombos, detestados por ele, mas era capaz de jogar pipocas para as desprezadas aves do quintal de casa e, com esta atitude, tornava-se um zeloso columbófilo para quem via a cena. Não se preocupava em cuidar da saúde e acabou surpreendido por um infarto agudo do miocárdio.

Destemido, às vezes, confesso, Alicate era engraçado. Inteligente demais. O que se colocava as mãos para fazer, executava com a perfeição da falta cobrada por Zico no ângulo. Ou melhor, cobrada por Roberto Dinamite, ídolo dele já que era vascaíno por convicção.

Mas no próximo dia 18 de janeiro, o luto pelo desaparecimento físico do meu pai completam dois anos. São janeiros que lembro sempre, pois Deus me trouxe Gabrielle, minha adorável filha, e levou meu pai, lembrado e amado por todos. Ironias de um destino que Deus, sabe-se lá por qual motivo, permitiu acontecer. Não reclamo. Nem posso. Resta-me aceitar.

Mas quando Deus percebe minha aflição e nota tristeza em meu olhar, permite que sonhe com meu pai. Até certo ponto, isto desacelera meu coração, conforta meu espírito, e faz seguir em frente. No entanto, quando o efeito do conjunto de imagens, de pensamentos ou de fantasias que se apresentam à mente durante o sono acaba com o nascer do sol na manhã seguinte, caminho lentamente para o cais, retiro a corda do barco, deito no fundo dele, fecho os olhos e vou contemplar a beleza do vazio das coisas que me circundam.

É ali, no silêncio das minhas ações que meu pai - que ironicamente preferia o som das coisas - está. Isto é o suficiente. E é, não tenho dúvidas, um bálsamo para essa dor aqui dentro de mim que se chama saudades".

Mundial não é para fracos


Por Marcos Vinicius Cabral

"Esperei o hiato entre o Natal e a chegada de 2024 para escrever sobre o tão aguardado confronto entre Manchester City (ING) e Fluminense (BRA), na decisão do Mundial de Clubes de 2023. Duas escolas que contam com ensinamentos dos professores Josep Guardiola e Fernando Diniz, técnicos que surfam na crista da onda ao conquistar bons resultados com os respectivos times. Além disto, relembro aqui que dos clubes brasileiros derrotados em finais para europeus na competição que colocam frente a frente o campeão da Libertadores contra o vencedor da Champions League, o Vasco de Antônio Lopes é, segundo reportagem do GloboEsporte.com, quem mais esteve perto da vitória. O 2 a 1 para o temido Real Madrid (ESP), em 1998 - ano em que o Cruz-Maltino comemorou um século de existência - não refletiu o que se viu no National Stadium, em Tóquio, naquela manhã de 1° de dezembro. 

Entretanto, desde a derrota por 4 a 0 para o Manchester City, na final do Mundial de Clubes realizada no dia 22 de dezembro, que torcedores do Fluminense - não todos, mas boa parte deles -  diziam que houve equilíbrio nas ações do time comandado por Fernando Diniz.

Ora, o que se viu no gramado do Estádio King Abdullah Sports City, em Jidá, na Arábia Saudita, foi a equipe inglesa com 55% de bola nos pés, que chutou em oito oportunidades para gol (quatro vezes mais que as duas do ataque tricolor), trocou 530 passes contra 444 do campeão da Libertadores e cobrou quatro escanteios contra dois do Fluminense. Há outras comparações que poderia utilizar, mas os já apresentados aqui dão a nítida noção do que foi o jogo.

Acostumados com o tiki-taka (tic-tac aportuguesado), também conhecido como Dinizismo, o estilo do Fluminense passa a ter mais rotatividade entre os jogadores, constantes trocas de posições e passes em todas as zonas do campo (principalmente na defesa para surpreender o adversário) no qual até o goleiro passa a ter a função de jogar com os pés. E com qualidade, é bom que se diga.

Funcionou bem em algumas competições em que conquistou títulos - por exemplo, no banho de bola que deu no Flamengo no Carioca e na inédita Libertadores, ambas em 2023 - mas na hora do vamos ver, acabou sendo engolido pelos ingleses. Isso sem contar que Haaland e De Bruyne, protagonistas dos Azuis Celestes, não jogaram por estarem lesionados.

Guardiola pensa diferente. Para o fã da Seleção Brasileira de 82, o estilo de jogo é "inútil", "sem propósito" e "sem intenção clara". Basta ler a biografia The Inside Story of Pep Guardiola's First Season at Bayern Munich (Os bastidores da primeira temporada de Pep Guardiola no Bayern de Munique), escrita pelo jornalista espanhol esportivo Marti Perarnau. 

No entanto, o tão aguardado embate Diniz versus Guardiola, acabou frustando os apaixonados pelas duas escolas de futebol. O City venceu sem esforço. O Tricolor errou o máximo em uma partida que deve-se errar o mínimo. Tornar-se presa fácil era questão de tempo, não de segundos como foi o gol de peito de Julián Álvarez.

Porém, quem deu trabalho aos europeus em uma decisão de Mundial de Clubes que, a propósito, voltando ao motivo da produção do texto, foram dois grandes times cariocas que encantaram os torcedores nos séculos XX e XXl: o Vasco de 1998 e o Flamengo de 2019, já citados acima.

Comandados por Antônio Lopes e Jorge Jesus, Vasco e Flamengo conquistaram a Libertadores, e chegaram com moral elevada à decisão do Mundial de Clubes contra espanhóis e ingleses.

O Vasco, que comemorava o centenário de existência, entrou às 9h (horário de Brasília) no National Stadium, em Tóquio, com Carlos Germano, Vágner, Odvan, Mauro Galvão e Felipe; Nasa, Luisinho, Juninho Pernambucano e Ramón; Donizete e Luizão. Do lado do time madrilenho, os brasileiros Roberto Carlos e Sávio, o argentino Redondo, o holandês Seedorf, o espanhol Raúl, além do montenegrino Mijatovic.

Mas foi o Real Madrid quem abriu o placar aos 25min do primeiro tempo, quando Roberto Carlos chutou com força de fora da área, a bola desviou na cabeça de Nasa e enganou Carlos Germano. No segundo tempo, Juninho Pernambucano, o Reizinho da Colina, aproveitou rebote do goleiro alemão Ilgner no chute de Luizão para finalizar no ângulo. Mas aos 38min, porém, veio o castigo. Raúl recebeu lançamento de Seedorf pelo lado esquerdo do ataque, deu dribles desconcertantes em Vitor e Odvan antes de tocar na saída de Carlos Germano. Fim do sonho para uma equipe que mereceu sorte melhor durante os 90min.

O Flamengo, por sua vez, chegava à segunda decisão de Libertadores da história. Com um futebol que assombrou o país, Diego Alves, Rafinha, Pablo Marí, Rodrigo Caio e Filipe Luís; Willian Arão, Gerson, Arrascaeta e Everton Ribeiro; Bruno Henrique e Gabigol, sob comando de Jorge Jesus, conquistaram a Taça Libertadores da América, o Campeonato Carioca, e, por fim, o Campeonato Brasileiro, em 2019.

A derrota por 1 a 0 para o Liverpool de Jurgen Klopp, no Estádio Khalifa International, em Doha (Catar), em um jogo disputado, pôs uma pá de cal e sepultou o sonho do bicampeonato Mundial para a Nação Rubro-Negra.

Tristezas à parte na vida dos vascaínos, rubro-negros e tricolores, derrota sempre machuca, fere o orgulho de todo e qualquer torcedor. Todavia, o mau resultado do Fluminense doeu mais do que os insucessos de Vasco e Flamengo. Ou alguém pensa diferente? Fica uma lição não apenas para o time das Laranjeiras, mas para os clubes do futebol brasileiro: é preciso rever conceitos de A a Z e em todo planejamento para voltar a competir de igual para igual em uma decisão de Mundial de Clubes. 

Talvez esta (in)certeza soe - para quem é frio e não passional - como uma alerta de que jogar o Mundial de Clubes não é para fracos".