segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Boechat

 

Por Marcos Vinicius Cabral

Ao abrir a porta, Mel - nossa cadela da raça Shih Tzu - veio me receber diferente dos outros dias.

Era hora do almoço e dessa vez, ela, que estava sozinha em casa, não me sorriu latindo.

Pelo contrário: não sorriu e tampouco latiu. Fiquei preocupado.

Deitada no chão, permaneceu por ali e me observou com olhos profundamente tristes.

Apesar de não ter passado despercebido aquele olhar, me veio à mente que tal tristeza pudesse ser em virtude do forte calor ou em decorrência das tragédias de  Brumadinho em BH, das enchentes no Rio e dos meninos do Flamengo, no CT do clube.

Os cães canalizam alegria e tristeza ao nosso redor e demonstram de várias maneiras.

Mas não eram.

Com o prato do almoço nas mãos, após agradecer a Deus por nunca ter me deixado sem comida no meu lar, liguei a televisão e botei na TV Bandeirantes.

"Eu tenho que dar essa notícia", disse José Luiz Datena, visivelmente abalado, interrompendo  o programa esportivo Os Donos da Bola.

Um acidente envolvendo um caminhão e um  helicóptero, modelo Bell, prefixo PT-HPG, na rodovia Anhanguera, próximo ao quilômetro 7, no viaduto de acesso ao Rodoanel, havia vitimado duas pessoas: o piloto e o passageiro.

Isso deve ter levado uns vinte minutos aproximadamente. 

Sentei e fiquei aproximadamente mais  quarenta, vendo notícias da morte de um dos maiores - se não o maior - jornalista do país: Ricardo Eugênio Boechat.

Voltei para o trabalho com a impressão de ter perdido alguém da família, tamanha sua importância na vida de todo e qualquer cidadão. 

Não o conheci pessoalmente, mas as qualidades profissionais dele dispensam comentários. 

Exímio repórter que apurava com a precisão e passava credibilidade por meio daqueles olhos azulados enormes que nos chamavam atenção.

Apurador sensato que peneirava notícias de suma importância numa época que os meios de comunicação não eram tão eficientes como hoje.

Refiro-me à época das máquinas de escrever nas redações.

Fiel colaborador no começo dos anos 1980 da coluna de Ibrahim Sued - outro notável jornalista - plantava contatos e colhia notícias da alta sociedade carioca, no terreno árido e inóspito. 

Se reinventou e já sendo uma Enciclopédia do Jornalismo, fez coisas inimagináveis, como disponibilizar seu número de celular para os ouvintes do programa Band News FM.

Coisa de gênio e de quem entendia muito da coisa.

Ganhador do Prêmio Esso nos anos 1989, 1992 e 2001 e do Comunique-se em 2006, 2007, 2008, 2010, 2012, 2013, 2014 e 2017), o argentino abrasileirado que amava Niterói, desapareceu segunda-feira, 11 de fevereiro, de nossa ambiência física. 

Vai deixar uma lacuna imprescindível e uma dor latente em que o jornalismo, profissão esta tão maltratada pelo desemprego e desvalorização, vai custar a sarar.

Seu humor e mau humor, renderam-lhe boas histórias como a vez em que ligou ao vivo para a mãe Mercedes no programa de rádio que apresentava desde 2006 e da resposta desaforada para o pastor Silas Malafaia, no entrevero que teve com o mesmo em 2015, sobre intolerância religiosa.

Boechat morreu na segunda-feira dia 11, seu velório e cremação foram ontem dia 12 e hoje resolvi postar esse texto após ver a entrevista da mãe Mercedes nas redes sociais, no qual emocionou a todos nós. 

Boechat era um jornalista que era ouvido por classes de A a Z sem distinção.

Era objetivo e defensor de classes massacradas pelo Poder Público regente no país, como os taxistas por exemplo.

Era instantâneo e imediato, qualidades imprescindíveis para quem trabalha com rádio.

Era, segundo a mamãe, o patinho feio dotado de uma inteligência raríssima. 

Vai fazer falta, ou melhor, já está fazendo.

(Texto escrito, publicado em 2019 nas redes sociais e republicado nesta segunda-feira (13) no meu blog. Essa semana faz quatro anos que Boechat morreu).

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