Por Marcos Vinicius Cabral
Roberto foi o menino de olhar frágil e que sorria pouco tamanha seriedade em que encarava o sonho em ser jogador de futebol.
Criado no bairro de São Bento, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, Roberto era Calu e viveu momentos difíceis quando um grave tumor na perna quase interrompeu o sonho de vestir a camisa 10 do Vasco da Gama, seu clube de coração.
Mas Deus e a mãe Neusa, que passou os momentos difíceis ao lado do filho, souberam cuidar muito bem da cabeça e coração do menino.
O tempo passou e as feridas do passado ficaram para trás.
Já crescido, o menino triste deu lugar a um habilidoso e notável jogador do São Bento, clube tradicional de Duque de Caxias, onde José Maia, o pai, havia sido goleiro. Já a mãe Neusa, ferrenha torcedora do Parque Lafayette, seu arquirrival.
Terceiro e último filho a nascer, Roberto ia dentro das quatro linhas fazendo gols e inspirado por Jairzinho, Furacão da Copa de 1970, aos poucos mostrava que bola na rede era o ele sabia fazer melhor.
Se o destino havia lhe tirado o sorriso quando ficou de cama por alguns meses, dessa vez o destino lhe compensou e colocou Francisco de Souza Ferreira, conhecido por Gradim, olheiro do Vasco da Gama no seu caminho e que se encantou com o moleque. Era 1969.
Calu era coisa do passado e em São Januário, já aprovado na peneira, passou a ser chamado apenas por Roberto.
No primeiro ano de juvenil marcou 46 gols, encorpou em massa muscular e ganhou 15 quilos.
Contra o Bahia, lançado por Admildo Chirol, no Campeonato Brasileiro de 1971, passou em branco.
Titular pela primeira vez, passou em branco também na derrota por 2 a 1 contra o Atlético-MG e não correspondeu às expectativas criadas em torno do futebol dele. Com isso, acabou substituído.
Mas o destinou tratou de entrar em ação mais uma vez e aquele começo difícil seria esquecido definitivamente.
Todavia, se já falecido sueco Alfred Nobel por algum milagre, pudesse voltar à vida e, na sua qualidade de químico e inventor da dinamite, fosse indicado para receber o prêmio que leva o seu nome, ficaria, na certa, profundamente lisonjeado.
Motivos não lhe faltariam para colher os resultados de sua invenção, já que ela atravessou séculos, irrompeu mares, explodiu como bolas de fogo nos céus existentes do universo e foi, anos mais tarde, visto como grande feito naquele 25 de novembro de 1971, no “garoto dinamite” contra o Internacional, em pleno Maracanã.
Surgia enfim, um artefato à base de nitroglicerina dos pés daquele jovem de apenas 17 anos, que destruía defesas e fazia com que seus marcadores entrassem em conflito numa guerra declarada por cada gol explodido, como o seu primeiro na carreira contra a equipe Colorada.
A palavra dinamite nunca havia sido tão bem aplicada para descrever a ação de um ser humano de carne e osso, que aplicava força nos chutes.
Graças aos repórteres Aparício Pires e Eliomário Valente do Jornal dos Sports - que cobriam os treinos dos juvenis do Vasco na época - que o Roberto tornou-se Dinamite.
Enquanto vestiu a camisa do Club de Regatas Vasco da Gama - foi sem demérito algum para os outros ídolos de São Januário - o maior explosivo utilizado pelo clube. Assim era Roberto.
Não, não um Roberto qualquer. Era Roberto Dinamite! Esse mesmo Roberto que devemos incluir o Dinamite e torná-lo um nome composto.
Esse sobrenatural centroavante que conquistou as Bolas de Prata da revista Placar, em 1979, 1981 e 1984.
Esse desbravador de marcadores que foi artilheiro dos campeonatos brasileiros de 1974 e de 1984, ambos com 16 gols.
Esse extraordinário atacante que foi artilheiro do Campeonato Carioca de 1978 com 19 gols, de 1981 com 31 gols e de 1985 com 12 gols.
Esse destruidor de esquemas táticos que foi artilheiro da Copa América de 1983 com 3 gols. Esse jogador diferenciado que foi artilheiro do Vasco em todas as temporadas de 1973 até 1985.
Esse exuberante profissional que continua sendo o maior artilheiro da história do Campeonato Brasileiro nos 328 jogos disputados e nas 190 explosões de gols. Esse camisa 10 vascaíno que é o maior artilheiro da história do Campeonato Carioca com 284 gols.
Esse atleta que é o maior artilheiro da história do Vasco da Gama com 708 gols.
Esse jogador de talento esporádico que é considerado o maior artilheiro da história do estádio de São Januário com 184 gols.
Esse gênio da bola que é o atleta que mais vestiu a camisa do Vasco da Gama em sua rica história com 1.110 jogos.
Esse artilheiro dos artilheiros que é, ao lado de Pelé e Rogério Ceni, os três jogadores brasileiros com mais de mil jogos por um único clube.
Esse exímio cobrador de faltas que foi eleito para o time dos sonhos do Vasco da Gama pela revista Placar em 2006.
Enfim, o camisa 10 de São Januário era um explosivo diferente, que não causava dano material algum, mas fazia vítimas por onde passava. Para o clube da Cruz de Malta, essa explosão suscitava em seus torcedores uma enorme alegria e a certeza que com ele em campo, gols eram questões de minutos.
Mas o gênio Roberto Dinamite era assim... ele explodia gols!
De todos os jeitos, de diversas formas e de diferentes tipos. Muitos, centenas, milhares… e por mais de duas décadas, ecoou em estádios de vários cantos do Brasil e até do mundo, o barulho retumbante de gols, muitos gols.
De tanto ter seus gols amplificados pelos estádios de futebol mundo afora acabou chegando à Espanha e aos ouvidos do técnico espanhol Joaquim Rifé que pediu sua contratação.
Com 26 anos, nove temporadas no cruzmaltino e sendo assediado por clubes europeus, o Vasco não pôde evitar a transferência de seu melhor atleta para o Barcelona, que desembolsou 56 milhões de pesetas - moeda utilizada na Espanha entre 1869 a 2002 - e o tirou do Rio de Janeiro.
“Eu voltarei”, diria na ida. Na estreia no clube catalão, marcou logo dois gols e alçou voos maiores. Entretanto, o técnico que havia pedido sua contratação foi demitido três rodadas depois, sendo substituído pelo argentino Helenio Herrera, que cortou suas asas ao não utilizá-lo.
Nos três meses em que esteve vestindo as cores do Barça, o desejo de voltar a jogar era grande. Com o pensamento em voltar ao Brasil, recebeu Márcio Braga - então presidente do Flamengo - e Eurico Miranda - a mando do presidente Alberto Pires - que queriam a qualquer custo trazê-lo de volta ao Rio de Janeiro.
Nessa queda de braço, a paixão falou mais alto: Roberto Dinamite estava de volta a São Januário.
Em 5 de maio de 1980, a reestreia era contra o Corinthians, no Maracanã. O resultado foi uma goleada acachapante de 5 a 2, no qual o camisa 10 fez todos os gols da equipe vascaína.
Foi a volta triunfal do maior ídolo do clube, acompanhada inclusive por um repórter de Barcelona, que relataria o jogo para um jornal local com os dizeres: “Esto, sí, es lo verdadeiro Dinamita”, (os espanhóis nunca souberam pronunciar Di-na-mi-te)!
Mas ele havia voltado!
Carlos Roberto de Oliveira foi Dinamite em estado puro na magia de um futebol aprazível. Titular na Copa do Mundo de 1978, na Argentina, faltou pouco para ser campeão com a camisa 20 amarelinha.
Atravessou a década de 80 sendo mortal como sempre, foi injustiçado na Copa da Espanha em 1982, jogou na Associação Portuguesa de Desportos e disputou grandes jogos contra o Flamengo.
Ainda deu tempo de jogar no Campo Grande Atlético Clube em 1993, um pouco antes de se aposentar. Enveredou na política em 1992, elegendo-se vereador da cidade do Rio de Janeiro pelo PSDB e dois anos depois, elegeu-se deputado estadual, cargo este onde se reelegeria em 1998, 2002, 2006 e 2010.
Foi presidente do clube que tanto amou, mas não teve o sucesso dos gramados.
Na manhã deste domingo (8), Roberto saiu de cena derrotado por um maldito câncer. Lutou bravamente contra a doença e deixa vários exemplos para cada um de nós.
Humildade, simplicidade e caráter são alguns deles.
Minha eterna gratidão ao Bob, como era chamado carinhosamente pelos amigos, pelas duas vezes que me recebeu: uma em São Januário, em 2008, quando dei uma caricatura de presente e levei meu pai para conhecê-lo e outra em sua própria residência quando o entrevistamos para o TCC da faculdade em 2017.
Roberto Dinamite foi gigante. E me perdoem Romário, Edmundo, Bismarck, William, Bebeto, Geovani, Sorato, Mauricinho, Felipe e Juninho. E todos que já passaram pelo Vasco: vocês foram rasos (com todo respeito às suas histórias) diante da profundidade que o eterno camisa 10 do Vasco representa não apenas para o clube de São Januário, mas para o futebol brasileiro.
Viva Dinamite e muitas explosões de coisas boas para você aí no céu!